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Bresser Defende Redução Gradual e
Firme da Taxa Real de Juros


Entrevista a Sergio Lamucci

O Estado de S.Paulo, 10 de fevereiro, 2002

O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira está empenhado em mostrar que é possível - e indispensável - reduzir a taxa real de juros no Brasil.
Para ele, o País está num equilíbrio perverso: no atual modelo adotado pelo Banco Central (BC), os juros reais oscilam entre 9% e 12% para controlar a inflação, enquanto países "intermediários e altamente endividados" - como Rússia, Venezuela e Peru - mantêm a taxa entre 3% e 6%. Bresser entende que um dos problemas é que a taxa de juros no País não é usada apenas para controlar a demanda e a inflação, mas também segurar o câmbio e atrair capitais estrangeiros, por exemplo.
Atendendo a um pedido do presidente do PSDB, o deputado José Aníbal (SP), Bresser escreveu o documento Uma Estratégia de Desenvolvimento com Estabilidade, em parceria com o ex-secretário da Fazenda paulista Yoshiaki Nakano, que tem sido foco de muita discussão entre os economistas. Os dois defendem uma redução gradual, mas firme, dos juros. E Bresser diz que não propõe mais desvalorização cambial: "O que propomos é a redução da taxa de juros. A questão é que câmbio e juros são um binômio. Quando se baixam os juros, o câmbio sobe automaticamente".
Bresser diz ser favorável ao regime de metas inflacionárias, mas afirma que o modelo do BC é muito rígido. Para atingir o objetivo de reduzir os juros reais em 40%, o ex-ministro ressalta a importância do aprofundamento do ajuste fiscal. Uma política comercial muito agressiva e alguma política industrial também fazem parte das propostas do ex-ministro. Bresser diz que o documento não deve ser considerado o programa econômico de José Serra. "As posições de Serra, que é meu candidato, vão aparecer ao longo da campanha", afirma ele, lembrando, no entanto, que os dois sempre tiveram idéias parecidas.
Estado - Por que os juros no Brasil são tão elevados?
Bresser - A taxa de juros no País tem sido a mais alta do mundo em termos reais há 12, 13 anos. Não começou no governo Fernando Henrique. Vejo dois motivos para isso: o primeiro é porque houve um período populista, entre 1985 e 1986, em que os juros se tornaram fortemente negativos, e houve uma reação antipopulista muito forte, contrária a este desastre. Taxa de juros negativa é populismo da pior espécie, mas taxa real de juros de 10%, 11%, é despautério, é condenar-se à estagnação e à crise. O segundo motivo é que o o governo brasileiro atribui à taxa de juros funções múltiplas. A função clássica da taxa de juros é controlar a demanda agregada e, com isso, a inflação. Mas, no Brasil, ela também é usada para controlar o câmbio e o custo do câmbio, para atrair capitais, para desaquecer a economia e com isso fazer com que o déficit em conta corrente seja menor. Como você dá várias atribuições à taxa, ela fica elevada.
Estado - Mas boa parte dos analistas diz que, no regime de metas inflacionárias, o único objetivo do BC, ao definir a taxa Selic, é controlar a inflação.
Bresser - Foi isso que disseram vários críticos do documento, como o meu amigo Edmar Bacha. A primeira coisa que eu noto com satisfação é que nenhum deles veio dizer: "A taxa de juros é alta porque o risco Brasil é alto." Mas vamos aceitar esse argumento de que o BC está preocupado apenas com a inflação. A questão é que países ricos e não endividados variam sua taxa de juros reais entre 1% e 4% para controlar a inflação, enquanto países intermediários e altamente endividados como o Brasil flutuam a taxa de juros entre, digamos, 3% e 6%, como fazem países como Rússia, Venezuela e Peru. E o Brasil, para atingir esse mesmo objetivo, varia sua taxa real entre 9% e 12%. Quando nós verificamos esses três patamares, fica claro uma tese central do documento. A de que existem dois equilíbrios, um benigno e outro perverso, e que nós estamos no equilíbrio perverso. Há uma armadilha da taxa de juros.
Estado - E o modelo de metas inflacionárias do BC?
Bresser
- Nós somos a favor da meta inflacionária. Nós entendemos que é preciso ter um modelo, mas um modelo pragmático, flexível, especialmente porque nós vivemos neste momento em tempos anormais. Além disso, é preciso lembrar o seguinte: a política de metas inflacionárias foi criada pelos BCs dos países desenvolvidos, no início dos anos 90, diante do fracasso da política monetarista. Então os banqueiros centrais, que podem ser medrosos em alguns casos, mas são pragmáticos, abandonaram uma coisa que não funcionava. Mas quando se adota um modelo de metas inflacionárias rígido, como o BC fez, volta-se a uma ortodoxia. Esse modelo serve para variar a taxa real de juros, combatendo a inflação, entre 9% e 12%. Não serve para sair da armadilha e passar para uma taxa de juros compatível com o nosso risco, em que a taxa de juros real varia entre 3% e 6%. Mas nós não propomos uma mudança abrupta, diferentemente do que declarou na semana passada ao jornal Valor Econômico o jovem diretor do Banco Central, Ilan Goldfajn. Nós estamos propondo uma redução gradual, mas firme, da taxa de juros, acompanhada pelo aprofundamento do ajuste fiscal.
Estado - O governo deveria então aumentar o superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros)?
Bresser
- Sem dúvida, aí nós temos que ser implacáveis, porque é preciso mostrar ao mercado que não se está brincando, que se está baixando a taxa de juros porque pode e porque deve, e não por populismo. É preciso continuar apertando a parte fiscal ainda mais e ao mesmo tempo baixar os juros, gradualmente, mas firmemente. Eu não tenho uma fórmula exata para isso, mas o que não pode é ter a atitude de Goldfajn, para quem, segundo o Valor, "pode levar vários anos para que uma política fiscal e monetária prudente, como a do Brasil nos últimos dois anos, se traduza em menores juros externos". Eu não tenho uma fórmula exata, mas, uma vez que se decida pela redução dos juros, acho que é possível cortar as taxas reais em 40% num prazo de um ano.
Estado - E como ficaria o câmbio nesse cenário?
Bresser
- Há uma idéia de que nós estamos propondo nova desvalorização do câmbio, mas não é isso: nós estamos propondo a redução da taxa de juros. A questão é que juros e câmbio são um binômio. Quando se baixam os juros, o câmbio sobe automaticamente. Isso é o mercado que determina. E a última coisa que o economista pode fazer é ignorar o mercado. Nós queremos deixar que o câmbio vá para o seu equilíbrio natural, que é o que nos permite equilibrar as contas correntes.
Estado - Qual o principal problema do regime de metas inflacionárias adotado pelo BC? A meta de 3,5% é muito baixa?
Bresser
- Quando você faz o modelo, você estabelece uma série de parâmetros - uma determinada variação do câmbio dá tanto de inflação, uma determinada variação dos juros dá tanto de inflação. Isso é que torna rígido o modelo.
Não é a meta de 3,5%, são as relações entre as variáveis. Uma das pragas da economia contemporânea é que ela se tornou excessivamente matematizada. Num momento como o atual, em que se tem que sair de uma armadilha, é preciso ser mais pragmático, mais flexível. Usar o núcleo de inflação (em que se excluem as variações de preços mais voláteis) e não a inflação cheia seria importante. Além disso, há uma discussão se você deve levar o câmbio em consideração para atingir a meta. O economista John B. Taylor, um dos formuladores da política de metas inflacionárias, fez um estudo que mostrou que os bancos centrais de países desenvolvidos operam em função de duas variáveis, a taxa de inflação e o hiato de produto (diferença entre o PIB e o PIB potencial), que é o nível de desemprego, em outras palavras. Quando se considera o hiato de produto, o câmbio já está lá dentro.
Estado - Mas o BC brasileiro tem o compromisso de controlar apenas a inflação.
Bresser
- Se o mandato do BC é apenas controlar a inflação, está errado. Isso não é civilizado. O principal objetivo do BC deve ser esse, mas é preciso ter como segundo objetivo permanente controlar o hiato de produto.
Estado - O sr. defende uma política comercial mais agressiva, para impulsionar as exportações. Como isso deve ocorrer?
Bresser
- No ano passado, isso já começou a ocorrer, como mostram a participação do Brasil na reunião da OMC em Doha e as novas políticas em relação à Alca. Nós temos que fazer integração com a Alca, bem negociada, em boas condições para nós. Há um velho nacionalismo que insiste que a Alca é uma estratégia imperialista dos Estados Unidos, o que é absolutamente equivocado. Veja a situação do México. Há quem diga que, depois do Nafta, o país foi anexado aos Estados Unidos... Eu não vejo nenhuma anexação. Eu vejo os títulos do México pagarem cinco pontos porcentuais a menos que o Brasil e as exportações do país crescerem fortemente.

Estado - O documento defende também uma política de reestruturação industrial. Como ela deve ser?
Bresser
- Política industrial para nós significa fundamentalmente uma preocupação em garantir crédito e financiamento necessários para as empresas exportarem ou fazer substituições competitiva de importações. Para nós é mais importante a política comercial do que a política industrial. Agora, em certos casos, é preciso fazer uma política industrial.