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Viver é Muito Perigoso

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Folha de São Paulo
, 21/11/98

Viver é muito perigoso, dizia o camarada Riobaldo, na célebre criação de Guimarães Rosa. Nos dias que correm, porém, ser político e defender o interesse público é ainda mais perigoso. Ou será outra a interpretação possível, quando vejo dois homens públicos da mais alta qualidade como Luiz Carlos Mendonça de Barros e André Lara Resende, depois de terem sido vítimas de grampo telefônico, terem sua conduta posta em dúvida poque não hesitaram em proteger o interesse do País na privatização das teles?
O mais curioso no episódio é que o conteúdo das fitas editado e revelado pela imprensa era um segredo de Polichinelo. Durante todo o processo de privatização uma das funções do BNDES tem sido a de estimular o surgimento de competidores, não apenas institucionalizando o mercado, mas fazendo com que os leilões produzam compradores tecnicamente capazes, que paguem um bom ágio para o Estado. Uma função que jamais alguém pôs em dúvida. Ora, foi isso que voltou a ser feito no caso do leilão vencido pela Telemar. A avaliação do banco era que o único grupo que se preparava para concorrer não tinha capacidade técnica e financeira para arcar com o empreendimento. Não importa se esta avaliação era correta ou não. O fato é que ela foi feita, e daí tornou-se obrigatório derivar uma ação. Qual poderia ser esta senão fazer o que foi feito em muitos outros casos: estimular a formação de um segundo grupo, mais forte e com condições de pagar um ágio maior?
Nesta hora surgem os oportunistas políticos: "Vamos requerer uma CPI para investigar". Mas investigar o que? A posição do governo, exposta com o desassombro e a clareza de quem sabe que está agindo bem, como fica nítido na conversa na qual intervém também o Presidente, para sublinhar o interesse público da operação? E mais: em todas as conversas gravadas não há uma palavra que deixe dúvida com relação ao objetivo dos interlocutores: o interesse público. Eles falam com a informalidade natural de quem não tem nada a esconder. O que há a investigar, sim, é autoria do grampo, mas este é caso de polícia, não de CPI.
Surgem também os puristas. "Ao invés de estimular concorrentes a participar seria melhor suspender o leilão". Mas como suspendê-lo, se o governo estava comprometido com a privatização das teles? Se recuar só as desvalorizaria, além de reduzir a credibilidade de todo um programa? Não há dúvida que, se contássemos nos leilões com muitos concorrentes, não haveria razão para intervir. Mas em muitas situações, inclusive na privatização da Tele Norte Leste, não era esse o caso. Era preciso intervir, optar.
O homem público, se quer sê-lo, se tem a vocação da política, não pode dar-se ao luxo do purismo. Se prefere essa alternativa é preferível que vá ser monge ou burocrata menor. Se decide ocupar cargos de poder, é para exercê-los, sempre no interesse público, sempre com prudência - mas sem hesitação - sem medo. Em muitos casos ele estará entrando em bola dividida, estará sempre tomando decisões em condições de incerteza, assumindo riscos calculados. Mas estará exercendo o seu papel, realizando aquilo que dele se espera.
Neste caso só existe um culpado: o autor dos grampos. No mais, podemos ter divergências, o grupo que afinal ganhou o leilão pode se julgar injustiçado, mas ninguém pode ser acusado de autor do grampo, como não podem os dois homens públicos grampeados serem transformados em réus. Fizeram seu papel, cumpriram seu dever para consigo mesmos e para com o País. E aprenderam que fazer política com "p" maiúsculo é muito perigoso. Mas é também compensador, porque não há nada mais satisfatório do que servir ao seu País com coragem.