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Banespa e Interesse Nacional

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de São Paulo, 16/01/2000

A autorização dada pelo governo para que o Banespa seja vendido a estrangeiros está sendo analisada de forma pateticamente equivocada por nós brasileiros. Diante da reação negativa dos grandes bancos nacionais, pergunta um primeiro: "não será medo da concorrência?" . Questiona outro: "não estarão querendo pagar um preço menor?". Só faltava um terceiro concluir: "devemos fazer como os países desenvolvidos, que são ‘modernos’, sempre abertos à competição internacional".
Tudo isso não passa de ideologia neoliberal. Uma ideologia que demorou para chegar ao Brasil, mas que, quando chegou, no início dos anos 90, foi entendida por nós brasileiros de forma literal. O pêndulo político virou radicalmente: éramos nacionalistas e estatizantes, tornamo-nos cosmopolitas liberais. Não percebemos que o liberalismo econômico é muito bonito em teoria, mas que na prática nenhum país desenvolvido o pratica integralmente. O mercado é sem dúvida um excelente alocador de recursos, a concorrência obriga as empresas a serem eficientes e inovadoras, não há alternativa econômica para o capitalismo. Tudo isto é certo, mas daí não se segue que os países ricos estejam dispostos a verem suas empresas e seus bancos serem desnacionalizados de forma vexatória como tem acontecido no Brasil nesta década.
Os franceses defendem suas empresas, os alemães defendem suas empresas, os ingleses defendem suas empresas, os italianos defendem suas empresas, e até os americanos, que em princípio não precisariam, defendem suas empresas. Não impedem sistematicamente que estrangeiros as comprem, mas também não abrem as portas. Quando se trata de uma empresa estratégica, como é um grande banco, simplesmente não permitem que a transação se complete.
Enquanto isto nós permitimos a desnacionalização de grandes empresas brasileiras competitivas internacionalmente, de serviços públicos monopolistas ou quase monopolistas, de um grande banco como o Bamerindus, e, agora, de outro, como o Banespa. Decididamente, enlouquecemos.
O princípio seguido pelos países ricos nesta matéria é muito simples: "faça como eu digo, não como eu faço". E o princípio adotado por nossas elites é igualmente simples "faço como eles dizem que eu devo fazer, não como eles fazem". Por que essa assimetria? Por uma razão muito simples: porque eles sabem defender seu interesse nacional e nós não.
Mas porque eles sabem e nós não sabemos? Porque eles são ricos e nós somos pobres; porque já criaram uma nação e nós ainda não; porque possuem sociedades civis atuantes e nós não temos; porque contam com estados fortes e governos dotados de competência e legitimidade e nós não; porque são credores e nós devedores; porque nós adotamos a estratégia entreguista do "confidence building game", enquanto eles verificam em cada caso qual é a decisão que melhor atende seu interesse nacional.
E qual é a principal conseqüência disto? O nosso subdesenvolvimento relativo crescente: enquanto os países ricos se desenvolvem a taxas elevadas, nós, desmentindo todas as ingênuas teorias (e esperanças) de convergências no médio ou no longo prazo, vemos nossa renda per capita crescer a passos de tartaruga, e a nossa distância em relação a eles aumentar a cada dia.
Hélio Gaspari, nesta (Folha de S.Paulo, 2 de janeiro) cobrou uma posição dos banqueiros nacionais a respeito da autorização de venda do Banespa para grupos estrangeiros., lembrando que lhes falta legitimidade para isto, já que sempre apoiaram desnacionalizações em outros setores. É verdade, mas a maioria dos demais empresários não agiram de forma diferente. Há anos vêm repetindo o blá-blá-blá liberal. Todavia, resgatando o empresariado nacional, no mesmo dia, na própria Folha, um grande banqueiro nacional, Fernão Bracher, criticou com firmeza a autorização. Lembrou que os grandes bancos nacionais mantiveram a rolagem da dívida pública quando os bancos estrangeiros anunciavam irresponsavelmente a quebra do país. E que esta decisão dos nossos bancos foi essencial para garantir o êxito da desvalorização do real.
Vendas de empresas a estrangeiros podem ser, em alguns casos, aconselháveis. Não é esse, porém, o caso de bancos e de serviços públicos quase-monopolistas. Banco, como o serviço público, é uma concessão do Estado: uma concessão feita de acordo com certas condições, que podem ser muito mais efetivamente exigidas pelo Estado quando a empresa é nacional.
Banco, definitivamente, não é uma empresa como as outras. Banco cria moeda: só pode fazê-lo em nome do Estado. Banco rola a dívida pública: o fará muito melhor se for nacional. Os bancos são os depositários da poupança nacional. Para os outros tipos de empresas não existe um órgão de fiscalização como têm os bancos, muito menos um banco central que define, através dos bancos, a política monetária do país. Quando os banqueiros reclamam do "excesso" de regulamentação a que estão sujeitos, esquecem que podem haver alguns equívocos na forma de regular, mas que é do interesse não só do país mas dos próprios bancos que a regulamentação seja rígida e forte. Regulamentação frouxa leva a crises financeiras e a privatizações indesejáveis. Por outro lado, quando a crise financeira desponta, é função do governo defender os bancos, como foi feito com o Proer. Em compensação, quando os bancos obtêm lucros excessivos derivados de súbitas valorizações ou desvalorizações da moeda nacional, devem ser taxados como já aconteceu muitas vezes em países desenvolvidos.
Não vou, entretanto, continuar argumentando. Haverá sempre bons argumentos do lado contrário. Argumentos frios, abstratos, elegantes, matemáticos. Podem todos ser refutados com outros argumentos igualmente elegantes. Mas o momento não está para isto, mas para repensar o Brasil. O presidente Fernando Henrique imprimiu uma primeira grande mudança de rumo quando decidiu desvalorizar o real. Poderia ter escutado seus conselheiros e esperado mais algum tempo, até que arrebentasse; antecipou-se e acabou sendo bem sucedido.
Não será esta a hora de, novamente, antecipar-se, e mudar a política em relação à empresa nacional? E não seria esta uma excelente oportunidade: começar com um grande banco como o Banespa? Ao fazer isto o presidente estará dando um basta à estratégia do "confidence building" a qualquer preço, estará dizendo um não à aplicação indiscriminada de princípios liberais, estará rejeitando a política do "faça como eu digo, não como eu faço". Estará dizendo à nação – aliás como já o estão fazendo os demais chefes de governo social-democratas – que já chegou o momento de o pêndulo político mudar novamente de rumo, e apontar para políticas em que o Estado proteja o interesse nacional de forma mais clara.